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7 oct 2013

Ruminação, a mais importante manifestação de bem-estar da vaca leiteira


 Paulo R. F. Mühlbach

A produção pecuária com animais “felizes” será, cada vez mais, uma demanda do mercado consumidor que se preocupa com a qualidade e origem do produto animal e respectivos derivados, e num futuro não muito distante, provavelmente, as propriedades leiteiras deverão ter certificação, também, para esse aspecto.

O efeito da dieta na ruminação

Na ruminação o animal regurgita o bolo alimentar fibroso à boca, remastigando-o demoradamente de modo a propiciar maior fragmentação das partículas, o que favorece a ação dos microrganismos para o melhor aproveitamento do alimento no rúmen e propicia a passagem das partículas não digeridas para adiante no trato digestivo, exercendo, portanto, um grande efeito sobre a capacidade de consumo.

Ao mesmo tempo, pelos movimentos mandibulares dessa remastigação intensa, as glândulas salivares são estimuladas a produzir secreção. Esse comportamento é inato a todos os ruminantes, seguindo-se aos períodos de alimentação, ou seja, distribuindo-se ao longo do dia em ciclos cuja duração dependerá, principalmente, do tamanho de cada refeição e da composição da dieta. Por exemplo, vacas leiteiras podem necessitar de 25 a 80 minutos de ruminação por kg de matéria seca de alimento volumoso consumido. Normalmente, o animal destina 1/3 do ciclo diário (em torno de 8 horas – 450 a 500 minutos) à ruminação, o que a vaca leiteira procura realizar deitada confortavelmente, priorizando o período noturno.

Portanto, o ruminante tem uma necessidade natural em ruminar, e, na medida em que esta demanda não for atendida, poderão surgir alterações comportamentais.

Vacas deitadas em confinamento, provavelmente em ruminação
Foto: vacas deitadas, provavelmente em ruminação

Então, uma dieta bem balanceada, com um teor adequado de fibra suficientemente estruturada, deverá resultar em ruminação prolongada e intensa de modo a estimular a secreção de um volume de saliva, que poderá chegar até 250 litros/dia. A saliva, com seu elevado poder tampão (rica em bicarbonato) é fundamental para a neutralização da acidez produzida pela fermentação dos alimentos no rúmen.

Quando a ruminação e a decorrente secreção salivar não são suficientes, faz-se uso de aditivos tamponantes na dieta, como o bicarbonato de sódio e/ou óxido de magnésio, de modo a diminuir o risco de acidose no rúmen (queda do consumo, diminuição do teor de gordura do leite) e consequentes problemas de casco.

Daí que, como primeira conclusão, podemos ressaltar o importante efeito do manejo alimentar (composição da dieta, tamanho de partícula, número e frequência de refeições, manejo das sobras no cocho) sobre a ruminação, consumo de alimento e resposta produtiva.

O efeito do bem-estar na ruminação
O tempo dedicado à ruminação é “sagrado”, mas poderá ser voluntariamente reduzido em situações de desconforto e estresse (falta de bem-estar ambiental, doença, sensação de dor, ansiedade materna pós-parto, tratamentos do manejo sanitário) ou de atividade excessiva durante o cio, proximidade do parto, necessidade de longas caminhadas ou reordenamento da hierarquia quando da alteração de lotes de alimentação.

O deficiente manejo ambiental, com o animal fora de sua “zona de conforto”, ou seja, num ambiente com temperatura e umidade relativa do ar geralmente excessivas, superlotação no confinamento, dificuldade de acesso aos bebedouros, maus tratos, baias de “free-stall” mal dimensionadas e com camas inadequadas, ou mesmo, pastoreio sem disponibilidade de sombra e água fresca, corredores com lama, pedregulho, etc., terão efeitos negativos sobre o tempo de ruminação.

Por ser uma atividade fisiológica vital, a diminuição da ruminação deve ser considerada como um claro sinal que a vaca emite, quando em qualquer situação de anormalidade.

Assim, o monitoramento dos períodos de ruminação permite a constatação das condições de bem-estar e saúde do animal, principalmente nas primeiras semanas do pós-parto, quando a vaca leiteira está submetida a um estresse considerável e sujeita a distúrbios digestivos, metabólicos e reprodutivos, com consequente maior propensão às mastites. A duração do período ideal de ruminação deverá voltar ao normal ao fim da primeira semana pós-parto e ser mantida ao longo da lactação.

Passados uns três a quatro dias após verificação de uma queda na duração da ruminação, geralmente poderá ser observada diminuição na produção de leite. Então, o monitoramento da ruminação permite a tomada de medidas preventivas em relação aos possíveis agentes causadores da falta de bem-estar.

A automação no monitoramento da ruminação
Devemos ter em mente que a observação permanente da atividade de ruminação de uma vaca deve ser considerada como uma ferramenta importantíssima no manejo diário, mas que, face à limitação de tempo e ao crescente custo de uma mão de obra cada vez mais especializada, não é fácil de implementar.

Os prenúncios de contínua demanda de laticínios, ao mesmo tempo em que os recursos naturais escasseiam, sugerem o incremento da exploração leiteira intensificada em ambientes confinados, com aumento do número de animais por rebanho, o que torna necessária a adoção de tecnologia de automação para o monitoramento do bem-estar da vaca leiteira individual.

No meu post sobre nutrição de precisão eu havia comentado sobre um dispositivo desenvolvido na Suiça, que monitora a atividade mastigatória da vaca por meio de uma espécie de buçal e que pode detectar alterações na ruminação (RumiWatch).

Recentemente, foram publicadas pesquisas realizadas na Itália, com o emprego de um sistema automático de registro de tempo individual de ruminação, e que permite a compilação dos resultados em intervalos de duas horas. Num dos experimentos, conduzido no verão em “free-stall", ficou demonstrado que o estresse sob temperatura ambiente elevada está associado à diminuição do tempo de ruminação, alterando o padrão diário da atividade em favor de uma ruminação noturna.

Em outro trabalho da mesma equipe, com a mesma metodologia, as observações foram realizadas durante o período de transição das vacas. O monitoramento dos tempos de ruminação demonstrou que as vacas com mastite clínica apresentaram diminuição do tempo de ruminação, já alguns dias antes do tratamento da doença.

Os autores concluem que o monitoramento automático do tempo de ruminação auxilia na predição da hora do parto e na rápida obtenção de informações sobre as condições de saúde, especialmente durante um período crítico como é a transição da vaca leiteira.

Atualmente, parece que a tecnologia de monitoramento eletrônico está em uso crescente nos EUA, principalmente nos grandes rebanhos e naqueles com limitação de mão de obra, possibilitando, com base nas alterações comportamentais sinalizadas pela atividade de ruminação, a realização de ações preventivas em relação ao bem-estar e saúde geral das vacas, além da detecção dos cios.

Prezado produtor de leite: como estará a ruminação de suas vacas leiteiras?

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